Territórios invisíveis da Vila Leopoldina – parte 2 - Ligia Rocha Rodrigues*

A diversidade mora ao lado, e faz tempo... 


Ao longo do processo de elaboração da dissertação de mestrado ficou evidente a diversidade que habita a Vila Leopoldina. Diversidade essa que se revela de muitas maneiras:

  •     no arruamento, ou seja, no desenho de suas ruas (largura do leito carroçável, tamanho c das calçadas, intensidade da arborização)
  •       no tecido urbano, ou seja, na distância entre as ruas e tamanho dos lotes
  •       no uso do solo, mistura entre os usos residenciais, comerciais, de serviços e industriais
  •      no padrão construtivo, vertical, horizontal de baixa, media ou alta renda.

Mas essa diversidade não precisa ser vista assim, cheia de critérios e analises técnicas. Ela fica evidente quando se caminha por suas ruas. O mercado do sr. Quincas e da dona. Janete, na Schilling, coexiste com as grandes redes de supermercado da Carlos Weber. A confeitaria da dona Alzira e as franquias de chocolate.  Os barbeiros tradicionais da Schilling convivem com os novos modelos de barbearia que misturam barba, cabelo, bigode, cerveja artesanal e tatuagem. As casas e os moradores antigos convivem com os novos prédios de apartamento. Uso residencial misturado com comercio local, novos edifícios de escritório e os grandes equipamentos da Gastão Vidigal.

Para efeito do desenvolvimento da pesquisa de mestrado, essa diversidade foi analisada a partir da criação de três categorias diferentes, que convivem desde a intensificação da ocupação do que hoje denominamos Distrito da Vila Leopoldina.

·    A permanência diz respeito ao conjunto de ocupações cuja maior intensidade localiza-se na Vila Hamburguesa entre as ruas Nanuque e Carlos Weber nas proximidades da Rua Schilling. Coincide com as ocupações pioneiras do bairro que remontam ao inicio do século XX, casas térreas ou sobrados residenciais, muitas vezes em lotes ocupados por casas de frente e de fundo.

·   A resistência engloba as ocupações informais e ou precárias que passam a ocupar as áreas no entorno do Ceagesp desde o momento em que intensificam seus usos e surge a demanda por mão de obra menos qualificada nas atividades do entreposto. Esse momento coincide com um crescimento urbano intenso na cidade toda, fruto do crescimento das atividades econômicas e da migração interna na década de 1970.

·   A ruptura representa a introdução de um novo ator de consolidação do bairro, o mercado imobiliário agindo em empreendimentos residenciais verticais, as torres de apartamentos. Essas ocupações começam a surgir entre o final dos anos de 1970 e inicio de 1980 timidamente, com empreendimentos localizados também na Vila Hamburguesa. Os prédios continuam surgindo e ocupando as antigas fabricas ou áreas vazias da rua Carlos Weber e Passo da Pátria ao longo dos anos 1990, mas e somente no inicio do século XXI que sua presença se intensifica, alterando definitivamente as feições do bairro.


Se considerarmos que a Vila Leopoldina que conhecemos hoje começa a surgir com a chegada do Ceagesp, e o consequentemente adensamento populacional e construtivo, conforme apresentado na postagem anterior (Territórios Invisíveis da Vila Leopoldina – Parte 1), entre as décadas de 1960 e 1970, podemos afirmar com convicção que somos a somatória da resistência, permanência e ruptura. Nenhuma dessas ocupações deve ter primazia de ocupação em detrimento da outra. Precisamos lidar com todas as questões urbanas que permeiam nossas vidas, isso envolve desde as questões de segurança e de mobilidade urbana, até a tolerância no convívio com a diversidade e a ação conjunta, como moradores do bairro, para que se promova condições dignas de moradia para aqueles que sofrem com a desigualdade social que vivemos. Apenas com a manutenção de diferentes perfis socioeconômicos no mesmo espaço urbano, tão característicos da Vila Leopoldina, será possível compreender as diferentes maneiras de apreender o espaço a fim de promover o convívio com a diversidade.



 *Lígia Rocha Rodrigues é arquiteta, moradora da Leopoldina, autora do mestrado Territórios Invisíveis pela FAU/USP 2013). 

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